quinta-feira, 14 de abril de 2011

Mamma Roma: tópicos



1. Julgamento e comunhão


Mamma Roma e Ettore são geralmente apresentados por Pasolini de forma muito austera, dura mesmo: plano e contraplano muito curtos, inevitavelmente, frontais: ela o julga e observa, de forma tão calculista como julga e observa os modelos com os quais quer se identificar, as burguesas com quem deseja ser confundida. Esta é uma característica do estilo de pasolini, o corte abrupto, o plano médio, mas é incrível como quando está com seus colegas ou sozinho a a apresentação de ettore muda radicalmente: há lirismo e uma sensação de congraçamento, de unidade. As panorâmicas que “estreitam” o círculo dos rapazes os tornam cúmplices, habitantes de um mesmo espaço e um mesmo tempo; tem o significado de uma comunhão.

2. Ponto de vista


O uso do ponto de vista em Mamma Roma é quase didático: como quando ela balança a cabeça para mostrar que está acompanhando o passeio de Ettore pelo carrossel. Mas geralmente ele se dá neste “embate” inter-planos entre mãe e filho, entre sujeito e objeto, entre aquela que julga e “financia” e aquele que é usado e idealizado por ela. Há um uso muito mais rarefeito do ponto de vista quando Ettore está em companhia dos outros.


3. Brecht, Pasolini, Weigel, Magnani.

Aqui talvez valha a pena estabelecer um parênteses para ilustrar um pouco esta visão dupla da personagem ( de pasolini e da mangnani) com uma comparação com bertold brecht. Visão crítica de Pasolini; visão patética da Magnani. Duas visões de uma mesma personagem: Pasolini e La Magnani. Brecht e Helen Weigel. Uma identificação pode ser estabelecida entre a visão impiedosa de Brecht a respeito da personagem da Mãe Coragem ( estreada por Weigel, grande trágica, em 1947), e a visão de Pasolini.


4. A vista de Roma

O plano metonímico: a cidade de Roma em um plano frontal ou em um travelling dianteiro. (Exemplo de metonímia: a expressão usada por Churchill sangue, suor e lágrimas. Suor refere-se ao esforço de guerra, sangue aos mortos e feridos; é sempre parte( sangue) pelo todo ( as vítimas que tombaram na guerra). Este plano ocorre cerca de 8 vezes no filme, e em aparência é um plano subjetivo; porque está se liga a um plano em que os personagens estão frontais, olhando para a câmera). É um único plano, e fixo, que não mostra mudança de ponto de vista, ou parece não corresponder a um ponto de vista, à diegese; é um plano emblema, um leitmotif obsessivo que estrutura o filme, o tema recorrente em torno do qual o filme vai variando seus meandros narrativos e epifânicos.


6. Flânerie: Benjamin e Pasolini.


Dialética entre o mundo arcaico do Friuli ( materno, meridional, trágico) e o mundo do lumpenproletariado romano: dialética benjaminiana nas Passagens de Paris. Na Paris de Benjamin e na Roma de Pasolini, a mesma cidade “palimpsesto”, onde convivem vários estratos epocais, várias Paris.

Ettore trafega de forma vagabunda pela cidade, e por meio de sua percepção “deslocada e sonâmbula” ,vamos descobrindo as diversas paisagens-e passagens desta Roma imemorial, que agrupa várias Romas: o mercado onde se vendem coisas, as ruínas dos subúrbios, que para Pasolini são a reserva, agora transposta para paisagem decadente da cidade, do mundo mítico do Sul da Itália-, os prédios de apartamentos construídos no pós-guerra, frutos do booom econômico.



7. Ponto de vista, abertura epifânica: Subjetividade, aura.


“Meu amor fetichista pelas coisas do mundo me impede de concebê-las como naturais. Ou meu olhar as consagra ou dessacraliza com violência, uma por uma: ele nas as liga num único fluxo, ele não aceita este fluxo. Meu olhar as isola e as idolatra, mais ou menos intensamente, uma por uma"

Isto se verifica de duas formas no cinema de Pasolini: pelo corte abrupto, que considera cada plano pelo que ele é- como manifestação, como epifania de uma presença, independente de sua inserção na seqüência); e pelo trabalho em cima do ponto de vista, que geralmente nos engana: em Manmma Roma e Accatone ( em todos os seus filmes),a princípio vc tem uma gramática clássica do ponto de vista, plano e contraplano, onde no plano nos é mostrado o personagem, no seguinte o que ele vê; a gramática nos ensina que deveria haver um terceiro plano, onde nos é mostrado o personagem novamente ( reconhecimento do que ele vê, construção do ponto de vista).

Mas em Mamma Roma ( por exemplo, na cena em que eles vão entrando no novo prédio onde vão morar), Pasolini não nos mostra o terceiro plano: o espectador tem o personagem olhando, depois o que ele olha. Mas não há um terceiro corte que mostra novamente o personagem.


Accattone: tópicos



1. Rossellini: “O neo-realismo consiste em acompanhar um ser em todas as suas impressões e descobertas”. Sobretudo descobertas.

2. Panorâmicas

As panorâmicas sobre a paisagem desolada em Accattone não correspondem a um ponto de vista, elas abrem a possibilidade de qualquer ponto de vista, são o horizonte de ; elas estruturam o filme como uma experiência de desvelamento do mundo: progressiva, temporal, possível.


3. Flânerie

Accattone é um flâneur, figura constante no cinema de Pasolini (o Cristo profeta do Evangelho, Édipo à procura de Tebas em Édipo Rei, Medea a fugitiva com o Velo de Ouro em Medea, a Emilia de Teorema, o canibal de Pocilga, os viajantes de Mile uma noites.


4. Iconicidade

O princípio de construção figurativa em Pasolini é icônico - suas maiores influências são pictóricas, não cinematográficas: Mantegna, Pontormo, Masaccio, Duccio, Masolino, pintores do início do Renascimento; ele dizia que aprendeu a pensar figurativamente tendo na cabeça os retábulos medievais e os santos dos altares, não a tela de cinema.

Frontalidade e tridimensionalidade: O uso da luz fortemente contrastada (chiaroescuro) e da imagem plana em Accattone realça esta dimensão icônica da imagem: tridimensional, escultórica.

Outra característica forte, aí presente em todo o seu cinema, não apenas nos primeiros filmes: frontalidade. Caráter frontal do ícone: O divino se revela e se oferece para o crente. É uma dádiva ( algo que se dá, que se manifesta, não inventado pelo homem).


5. Danação e Redenção em Accattone


A Danação é representada pela recorrência (repetição) dos mesmos ambientes, peregrinação circular do personagem e da câmera ( Accattone de olhos fechados, seguido pela câmera num movimento que descreve um círculo), os dois travellings repetidos com as mulheres, Ascenza e Stella, ou a repetição do encontro com o cortejo fúnebre, do sonho e da vida real .

A princípio, temos a contraposição das figuras da Danação ( circularidade e repetição) no plano e contraplano dos dois encontros principais com Stella: epifanias.


7. Morte e montagem


Em seu texto Plano seqüência ou o cinema como semiótica da realidade, Pasolini fala algo interessante. : a montagem, à semelhança da Morte na biografia individual, é o que permite a criação de um sentido para o filme; o cinema, que genérica e potencialmente pode ser visto como um plano seqüência infinito, se particulariza e ressignifica “em cada filme” através da montagem, assim como a Morte é a instância que permite que todos os nossos atos e afetos possíveis se estabilizem e definam em relação à totalidade possível da vida. Se a Morte é um tema recorrente no cinema de Pasolini- assim como o é para as culturas e experiências mítico-arcaicas que ele tenta representar-, em Accattone ela tem o significado até certo ponto positivo de uma reconciliação do indivíduo com sua própria história.


Textos chaves:


Empirismo herético, Pasolini.


Escritos corsários, Pasolini.


O plano sequência ou o cinema como semiótica da realidade, Pasolini.


Pasolini's Roma: stupendous, miserable city, John David Rohdes


Idéia, Erwin Panofsky


Confronting images: Questioning the ends of a certain History of art, Georges Didi-Huberman


Histoires de peintres, Daniel Arasse


Pasolini's semiotics and a cinema of the sacred, Adelmo P. Dunghe


Pasolini: il cinema in corpo. Atti impuri di un eretico, de Goffredo Fofi e Enrico Ghezzi


Pasolini's forms of subjectivity, Robert Gordon


quarta-feira, 9 de março de 2011



Pier Paolo Pasolini: o cinema da contaminação


O cinema de Pasolini é um cinema híbrido, um cinema da desterritorialização: uma radical experiência de contaminação entre o sagrado e o profano, da economia figurativa polimorfa do Desejo, da Frontalidade e Centralidade herdadas pela Representação clássica, da crônica selvagem do lumpemproletariado e da balada elegíaca, da Hubris e do Ethos, de Masolino e do Masaccio, do discurso indireto livre e da hagiografia.

O cinema de Pasolini alia a vitalidade documental do neo-realismo ao hieratismo ritualístico da arte clássica: é um cinema que pretende sacralizar a imanência, apreender o numinoso do real a partir de um aprofundamento de sua intensidade epifânica.

Através de seus filmes, vemos ilustradas as diferentes intersecções entre a arte clássica e o cinema moderno que surge nos anos 60; toda uma História do cinema e dos modelos de representação ocidentais que o fundam se encontra reavaliada criticamente através de sua concepção de um cinema de poesia, que intenta uma crítica radical à arte entrevista sob a égide do simbólico; o cinema é uma arte de presentificação, e não de simbolização.

O curso pretende abordar os seus primeiros filmes, os chamados filmes suburbanos ( borgata) : Acattone, Mama Roma e La Ricotta; e também as obras do período mítico, Édipo Rei, Medea e As mil e uma noites e Pocilga.

A partir da apresentação dos filmes indicados, pretende-se atingir os seguintes objetivos:

a) possibilitar uma compreensão crítica da obra de Pasolini no contexto dos cinemas novos dos anos 60 e a influência de seu “cinema de poesia” como uma chave de interpretação anti-simbólica da História do cinema;

b) Identificar as características expressivas do cinema de poesia pasoliniano;

c) Reconhecer os mecanismos de apropriação da representação clássica que o “cinema da contaminação” pasoliniano empreende na inter-relação entre o sagrado e o profano;

d) Reconhecer as estratégias formais a partir das quais Pasolini equaciona a herança neo-realista com a representação trágico-mítica.


MÓDULO 1


Pasolini e a herança neo-realista: Accatonne, Mamma Roma, La Ricotta

- As releituras de Pasolini sobre a estética neo-realista

- O significado da panorâmica

- O close como instância epifânica


MÓDULO 2



Frontalidade e centralidade clássicas: um cinema icônico

A reapropriação das estratégias formais do classicismo

Ponto de vista

Mise en scène e iconografia


MÓDULO 3


Tragédia e barbárie: o mito na modernidade:

A parataxe no cinema de Pasolini

Hagiografia, Idolatria, Autobiografia : Pasolini, o Cristo Édipo


MÓDULO 4


Sacrifício e dialética: Pocilga, uma alegoria niilista do Poder:

- O uso da metáfora na estrutura narrativa de Pocilga

- Pasolini leitor de Walter Benjamin e Georges Bataille



MÓDULO 5

A obra de Pasolini no contexto do cinema moderno e em diálogo com o cinema contemporâneo




Quando: Todas as sextas a partir de 01 de abril até 20 de maio. Das 18:30 às 21:30.

Local: Universidade Católica de Pernambuco. Sala de Multiuso do CCT –Primeiro andar do bloco D e Espaço Loyola- Térreo do bloco B ( apenas o dia 13 de maio).

Valor da Parcela única:: R$ 40, 00

Incrições abertas pela Internet no site www.unicap.br no link Universidade não tem idade: http://www.unicap.br/universidade/pages/?p=267


Professor: Luiz Soares Júnior. Redator da Revista Cinética.


Telefone para contato: 2119 4140

E-mail para contato: soniamar@unicap.br