1. Julgamento e comunhão
Mamma Roma e Ettore são geralmente apresentados por Pasolini de forma muito austera, dura mesmo: plano e contraplano muito curtos, inevitavelmente, frontais: ela o julga e observa, de forma tão calculista como julga e observa os modelos com os quais quer se identificar, as burguesas com quem deseja ser confundida. Esta é uma característica do estilo de pasolini, o corte abrupto, o plano médio, mas é incrível como quando está com seus colegas ou sozinho a a apresentação de ettore muda radicalmente: há lirismo e uma sensação de congraçamento, de unidade. As panorâmicas que “estreitam” o círculo dos rapazes os tornam cúmplices, habitantes de um mesmo espaço e um mesmo tempo; tem o significado de uma comunhão.
2. Ponto de vista
O uso do ponto de vista em Mamma Roma é quase didático: como quando ela balança a cabeça para mostrar que está acompanhando o passeio de Ettore pelo carrossel. Mas geralmente ele se dá neste “embate” inter-planos entre mãe e filho, entre sujeito e objeto, entre aquela que julga e “financia” e aquele que é usado e idealizado por ela. Há um uso muito mais rarefeito do ponto de vista quando Ettore está em companhia dos outros.
3. Brecht, Pasolini, Weigel, Magnani.
Aqui talvez valha a pena estabelecer um parênteses para ilustrar um pouco esta visão dupla da personagem ( de pasolini e da mangnani) com uma comparação com bertold brecht. Visão crítica de Pasolini; visão patética da Magnani. Duas visões de uma mesma personagem: Pasolini e La Magnani. Brecht e Helen Weigel. Uma identificação pode ser estabelecida entre a visão impiedosa de Brecht a respeito da personagem da Mãe Coragem ( estreada por Weigel, grande trágica, em 1947), e a visão de Pasolini.
4. A vista de Roma
O plano metonímico: a cidade de Roma em um plano frontal ou em um travelling dianteiro. (Exemplo de metonímia: a expressão usada por Churchill sangue, suor e lágrimas. Suor refere-se ao esforço de guerra, sangue aos mortos e feridos; é sempre parte( sangue) pelo todo ( as vítimas que tombaram na guerra). Este plano ocorre cerca de 8 vezes no filme, e em aparência é um plano subjetivo; porque está se liga a um plano em que os personagens estão frontais, olhando para a câmera). É um único plano, e fixo, que não mostra mudança de ponto de vista, ou parece não corresponder a um ponto de vista, à diegese; é um plano emblema, um leitmotif obsessivo que estrutura o filme, o tema recorrente em torno do qual o filme vai variando seus meandros narrativos e epifânicos.
6. Flânerie: Benjamin e Pasolini.
Dialética entre o mundo arcaico do Friuli ( materno, meridional, trágico) e o mundo do lumpenproletariado romano: dialética benjaminiana nas Passagens de Paris. Na Paris de Benjamin e na Roma de Pasolini, a mesma cidade “palimpsesto”, onde convivem vários estratos epocais, várias Paris.
Ettore trafega de forma vagabunda pela cidade, e por meio de sua percepção “deslocada e sonâmbula” ,vamos descobrindo as diversas paisagens-e passagens desta Roma imemorial, que agrupa várias Romas: o mercado onde se vendem coisas, as ruínas dos subúrbios, que para Pasolini são a reserva, agora transposta para paisagem decadente da cidade, do mundo mítico do Sul da Itália-, os prédios de apartamentos construídos no pós-guerra, frutos do booom econômico.
7. Ponto de vista, abertura epifânica: Subjetividade, aura.
“Meu amor fetichista pelas coisas do mundo me impede de concebê-las como naturais. Ou meu olhar as consagra ou dessacraliza com violência, uma por uma: ele nas as liga num único fluxo, ele não aceita este fluxo. Meu olhar as isola e as idolatra, mais ou menos intensamente, uma por uma"
Isto se verifica de duas formas no cinema de Pasolini: pelo corte abrupto, que considera cada plano pelo que ele é- como manifestação, como epifania de uma presença, independente de sua inserção na seqüência); e pelo trabalho em cima do ponto de vista, que geralmente nos engana: em Manmma Roma e Accatone ( em todos os seus filmes),a princípio vc tem uma gramática clássica do ponto de vista, plano e contraplano, onde no plano nos é mostrado o personagem, no seguinte o que ele vê; a gramática nos ensina que deveria haver um terceiro plano, onde nos é mostrado o personagem novamente ( reconhecimento do que ele vê, construção do ponto de vista).
Mas em Mamma Roma ( por exemplo, na cena em que eles vão entrando no novo prédio onde vão morar), Pasolini não nos mostra o terceiro plano: o espectador tem o personagem olhando, depois o que ele olha. Mas não há um terceiro corte que mostra novamente o personagem.